sábado, 21 de maio de 2011

MENTES TRANSTORNADAS - Sílvia Vargas

(Texto publicado na Revista Feedback - Ano XIV - 24ª Edição - Abril/2011 - RS pgs. 26 e 27)

No início deste mês, 07 de abril de 2011, o Brasil e o mundo ficaram chocados com a notícia de um jovem, Wellington Menezes de Oliveira- 23 anos, que retornou a escola em que estudou quando menino e matou 12 alunos, ferindo outros 12. Após ser ferido por um policial, suicidou-se, cumprindo com decisão já previamente tomada.
Assim ganhou o mundo a notícia do Massacre do Realengo. Sua “família” se recusou a identificar o corpo no IML, com a afirmação de proteção ao grupo familiar e solidariedade as famílias das vítimas. Foi enterrado dia 22/04 – ironicamente sexta-feira santa - nenhum parente acompanhou o sepultamento, feito em cova rasa, sem lápide, com auxílio da Santa Casa de Misericórdia. Dores, pavores e tristezas a parte, o que vemos aqui é a expressão clara do transtorno mental de Wellington, segundo especialistas, entre eles psiquiatras do IPF, esquizofrenia (ver box 1) .

Não acredito em transformações 'relâmpago'. Minha profissão não me permite. Tão pouco em transtornos graves sem que antes apresentem sintomas menores. Ninguém se apresenta transtornando de um momento para o outro, isso se tratando de saúde mental, segundo critérios do DSM IV, muito menos sai matando crianças.   

Familiares, amigos, vizinhos, professores e colegas perceberam que havia, no mínimo, algo de diferente com esse rapaz. Perceberam como afirmam algumas notas, mas a forma como foi conduzido ou tratado, com certeza, deixou muito a desejar. Tentaram “aparentar” que estava tudo bem. Segundo vizinhos e ex-colegas “era apenas um menino muito quieto, muito tímido, muito esquisito...” Não estava tudo bem, era imperativa a necessidade de avaliação, diagnóstico e tratamento – psiquiátrico e psicológico. Isso sim poderia ter evitado esta tragédia. Um transtorno identificado, com um tratamento bem conduzido permite ao sujeito uma vida produtiva em sociedade.

Mas aí está o problema. Voltamos ao preconceito. Pode parecer repetitivo, mas muitas vezes o PROBLEMA está em ignorar o PROBLEMA.

Situações semelhantes, que podem parecer de uma ordem menor, acontecem cotidianamente, às vezes bem próximas a nós, e são desprezadas como se fossem atos isolados motivados por timidez, ciúmes, disputas, rivalidades, competições, auto-afirmação e muitos outros motivos considerados banais. Mais grave ainda se são percebidos já na infância e adolescência, por exemplo, e ignorados justamente por isso, com a afirmação de que: "é coisa de criança".

De ALGUMAS crianças. Mais tarde, de ALGUNS adolescentes e depois temos aqui hoje um exemplo drástico com o resultado de 12 mortos, 12 feridos, muita dor e tristeza para muitas famílias. Muito que pensar para toda a sociedade.

No caso de Wellington segundo informações, já havia um diagnóstico de problemas mentais, que após a morte de sua mãe agravou-se. Saiu do emprego e recolheu-se ao isolamento, rompeu concretamente seu contato com a realidade e mergulhou definitivamente no universo virtual, seu hobby desde a adolescência. Ali buscou o incentivo, as técnicas e as justificativas que lhe faltavam para completar seu plano.

É dito que sua mãe biológica também apresentava problemas mentais.

Somemos a isso toda situação de bullyng e abusos que enfrentou naquela mesma escola relatada por ex-colegas que falaram após sua morte.   

Não se trata aqui de uma tese de defesa a conduta ou ao caso de Wellington. Nada disso, nada justifica a violência, tão pouco as mortes. Nada amenisa tantas dores. Contudo aqui a avaliação é da situação, do caso Wellington. E na sua história foram tantas as feridas, na sua ótica nunca reparadas, nunca cuidadas, que no seu funcionamento transtornado, construiu um plano de retornar ao local onde por tantas vezes sofreu e acabar com “aqueles” que o  machucaram. A ele e a outros como ele, seres “inofensivos e/ou inocentes” (de acordo com seus vídeos), por isso voltou a “sua escola, as mesmas salas onde estudou, com alunos da mesma idade que tinha a época dele e de seus colegas (início dos anos 2000), à época do bullyng e dos abusos. Na sua cabeça, estava atirando contra cada um dos colegas que em algum momento do seu passado o feriu. Wellington não é um psicopata (ver box 2). Ainda segundo relatos, “nunca fez mal a uma formiga”, era extremamente apegado a sua mãe, sofreu a sua morte a ponto de se isolar do mundo. Não buscava notoriedade, em sua loucura. De maneira insana buscava aliviar o mundo das maldades das quais foi vítima na sua infância e adolescência, temia a justiça divina e queria algum religioso em seu sepultamento. Devido a um transtorno psiquíco severo sem diagnóstico e tratamento adequado e a omissão de alguns, Wellington terminou sua vida como um criminoso. Hoje várias famílias choram as suas perdas e outras começam a abrir os olhos para o problema.

Box 1


A esquizofrenia é um transtorno mental, podendo atingir diversos tipos de pessoas, sem exclusão de grupos ou classes sociais. É um trantorno psíquico severo, com sintomas de alterações do pensamento, alucinações (visuais, sinestésicas, e sobretudo auditivas), delírios e alterações no contato com a realidade. Junto da paranoia e dos transtornos graves do humor, as esquizofrenias compõem o grupo das Psicoses.

Algumas pessoas acometidas da esquizofrenia se destacaram ao longo da história no meio acadêmico, artístico e social. Um exemplo é o matemático norte-americano John Nash, que, em sua juventude, sofria de esquizofrenia, conseguiu reverter sua situação clínica (apesar de conviver com sintomas psicóticos típicos) e ganhar o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1994.

São várias as abordagens terapêuticas na intervenção ao doente esquizofrênico, que na maioria dos casos tem indicação de um tratamento interdisciplinar: o acompanhamento médico-medicamentoso, a psicoterapia, a terapia ocupacional (individual ou em grupos), a intervenção familiar, a musicoterapia e a psicoeducação são os procedimentos indicados para estes doentes.


Box 2


A psicopatia é um  transtorno da personalidade grave caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, falta de empatia, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, egocentrismo, falta de remorso e culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

Box 3

No Brasil, uma pesquisa realizada em 2010 com 5.168 alunos de 25 escolas públicas e

particulares revelou que as humilhações típicas do bullying são comuns em alunos da

5ª e 6ª séries. Entre todos os entrevistados, pelo menos 17% estão envolvidos com o problema.

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